sinopse
Racconti Sardi (1894)
Grazia Deledda não é apenas uma das maiores escritoras da literatura italiana. Seus relatos sobre a vida de moradores das regiões montanhosas da Sardenha são uma espécie de antídoto para o nosso mundo digital de conectividade ininterrupta.
Os contos compõem uma verdadeira ode à resiliência, nos quais são retratadas as vidas de personagens que lutam contra a crueza do mundo real, enfrentando a fome, as doenças e os infortúnios da vida. Um cotidiano no qual o pragmatismo obriga, em nome da sobrevivência, a superar a magia e superstição.
A literatura de Deledda se alimenta dessa intersecção. Na ilha de Deledda, a paisagem é, ao mesmo tempo, hostil e transcendentalmente bela. Esse ambiente de sonho praticamente empurra seus personagens para um universo que se impõe como uma sombra entre o real e o imaginário.
Em seus Contos sardos, Deledda apresenta as peculiaridades de uma região da Itália que, além da natureza ímpar, é igualmente única em sua construção histórica. Encruzilhada do Mediterrâneo, a Sardenha já foi invadida e ocupada por romanos, espanhóis, franceses, piemonteses, sicilianos e árabes — não é por acaso que a bandeira da Sardenha leva em seu centro a imagem dos “quatro mouros”. Paradoxalmente, o isolamento desse povo insular é, ao mesmo tempo, o resultado de séculos e séculos dos mais diversos tipos de contato com outras civilizações. A própria Deledda, em uma carta enviada em 1892 para o escritor e linguista italiano Angelo de Gubernatis (1840-1913), escreveu: “Em breve lhe enviarei meu retrato: sou pequena, pálida e morena, um pouco espanhola, um pouco árabe, um pouco latina”.
Essa particularidade está profundamente presente nos contos de Grazia Deledda. Vencedora do Nobel de Literatura em 1926, sua obra é universal exatamente por falar de seu povo e suas tradições. Ao escrever sobre essa população miscigenada e sua cultura híbrida, onde mágicos e padres possuem poderes tão reais quanto sobrenaturais, onde a religião e as questões ligadas à sobrevivência diária estão umbilicalmente conectados, onde o real e o maravilhoso são uma única coisa, Deledda se torna imprescindível.
Sua literatura versa sobre situações extremas, a vida real e os tormentos e conflitos morais e religiosos que a cercam. São contos sobre as dificuldade de enfrentar a existência. A escrita para Deledda é, portanto, uma posição frente a vida, uma declaração, um posicionamento. Segundo disse: “eu nasci na Sardenha. Minha família era composta por pessoas sábias, mas também de indivíduos violentos e com certa visão artística do mundo. Em casa tínhamos autoridade e também uma biblioteca. Quando comecei a escrever, aos dezesseis anos, minha família se opôs. No entanto, o filósofo avisa: ‘quando um estudante começa a escrever poesia, repreenda-o e mande-o caminhar pelas montanhas; se o encontrar escrevendo poesia pela segunda vez, puna-o novamente; se ele escrever poesia pela terceira vez, deixe-o em paz pois é um poeta.’”
autor
Grazia Deledda (1871-1936)
Nasceu em Nuoro, recebeu o Nobel de Literatura de 1926. Ficou famosa em sua época após a publicação da obra Canne al vento (Caniços ao vento), a qual narra as crises existenciais e fragilidades de suas personagens — bem como descreve em detalhes e com um realismo claro os costumes e lendas da sociedade agropastoril da sua amada ilha da Sardenha.
tradutor
Adriana Zoudine
Formada em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e em Educação Artística pelas Faculdades Metropolitanas Unidas FIAM-FAAM. Viveu em São Francisco (EUA) e Buenos Aires (Argentina), com viagens periódicas a países europeus, em especial à Itália. Após se aposentar, ingressou no Programa Formativo para Tradutores Literários da Casa Guilherme de Almeida e participou de eventos, palestras e fez cursos na área de tradução. Atualmente, se dedica à tradução literária, com foco na literatura italiana.