sinopse
El Zarco (1901)
A América Latina é o cenário de uma história cíclica de pobreza, violência policial, preconceito, racismo, corrupção, arbitrariedades, territórios dominados por milícias e populações inteiras aterrorizadas pelo crime. Em El Zarco, o mexicano Ignacio Manuel Altamirano (1834-1893) apresenta esses elementos e suas correlações. O autor expõe um triste cenário socioeconômico bastante conhecido tanto no passado quanto no presente de praticamente toda nação latino-americana.
O esplendor da natureza da bucólica Yautepec do século 19 é o cenário para o quadro de caos social no qual vivem seus moradores. Essa terrível situação de desamparo institucional em um local de natureza exuberante é inevitavelmente familiar aos leitores brasileiros. Na obra de Altamirano os pobres sofrem nas mãos dos grupos criminosos, que intimidam, sequestram ou matam pessoas em nome dos seus interesses, e nas mãos do Estado, que representa uma ameaça real à liberdade e à vida dos cidadãos que não se curvam às suas arbitrariedades.
É nesse ambiente que se desenvolve uma trama onde o caráter de um homem perverso, mesquinho e vulgar, de pele clara e olhos azuis se contrapõe à honradez, nobreza e justiça personificadas em um índio de pele morena.
As atrocidades praticadas por El Zarco (O “Azul”), dedicadas a saciar sua ganância quase sobrenatural, atingem todas as camadas sociais. Em Yautepec, ninguém está a salvo da miséria, nem mesmo os bandidos. Porém, o autor é cuidadoso ao evidenciar que tal cenário é inequivocamente pior para os pobres honestos, alvo da violência de bandos como o de El Zarco e vítimas do descaso e dos abusos praticados pelas forças do Estado.
Nicolás — palavra que vem do grego Νικόλαος e significa “vitória do povo” —, um índio moreno, honrado, trabalhador e justo, não se deixa amedrontar e se coloca contra as forças opressoras. Sua dignidade, mesmo nesse ambiente de completa desordem política e social, transforma-o em um catalisador capaz de unificar a sociedade civil. Assim, Nicolás e seu inexorável senso de justiça incorporam a possível salvação de uma região oprimida.
Essa dicotomia também ocorre com as duas personagens femininas, Pilar e Manuela. A primeira, uma mulher morena com forte ascendência indígena, representa a típica mulher humilde mexicana. É introvertida, sutil, atenciosa e marcada pelo desprendimento. Já a segunda, uma bela jovem de pele branca e tipo europeu, é retratada como uma pessoa cruel, dominada pela cobiça.
Usando a técnica narrativa do contraste, El Zarco nos apresenta um México dividido tanto nos personagens quanto no contexto. A história ocorre em um país erodido pela guerra civil, onde a sede de vingança de justiceiros como Martín Sánchez Chagollán pode se transformar em política do Estado e ser utilizada no combate ao crime. Assim mergulhamos em uma América Latina sombria, na qual o crime e a corrupção perpetuam um quadro de desigualdade econômica que só será superado pela correção e a coragem daqueles que estão na parcela mais humilde da população.
autor
Ignacio Manuel Altamirano (1834-1893)
Foi um advogado, escritor, jornalista, professor e político mexicano. Escreveu vários livros de sucesso em sua época e cultivou o conto, a crítica e a história, com trabalhos em forma de ensaios, crônicas, poesia, novelas e biografias. Colaborou em algumas das principais publicações da época. Também foi fundador de alguns dos mais conhecidos jornais e revistas mexicanos, entre eles, El Correo de México, El Renacimiento, El Federalista, La Tribuna e La República. Suas obras retratam a sociedade mexicana da época com destaque para Clemencia (1869), La Navidad en las montañas (1871) e El Zarco (póstuma).
tradutor
Renato Roschel
Nasceu e cresceu na periferia da zona sul de São Paulo, onde as barbáries praticadas pelas forças do Estado e pelo crime faziam e fazem parte do cotidiano. Estudou Letras na USP, filosofia na PUC e fez mestrado na USP. Trabalhou no jornal Folha de S. Paulo. Foi um dos editores da Enciclopédia Barsa e dos anuários Livro do Ano e Ciência e Futuro, na editora Planeta. Atuou como correspondente da Rádio Eldorado, em Londres. Foi editor da Revista Osesp. Editou e traduziu obras para as editoras Quatro Cantos, Planeta, Publifolha, Tabla, Oxford University Press e Instituto Mojo.