A metamorfose

Die Verwandlung, 1915

“Certa manhã, ao acordar de sonhos inquietos, Gregor Samsa se viu em sua cama transformado num imenso inseto. Estava deitado sobre suas costas, que eram duras como uma carapaça. Ao levantar um pouco a cabeça, viu sua barriga marrom, côncava, toda dividida em arcos; ela se elevava tão alto que o cobertor mal podia cobri-la e deslizava quase por inteiro para o chão. Suas muitas pernas se agitavam desesperadas diante de seus olhos, e eram tão finas em comparação com o resto do seu corpo que dava pena vê-las.” Com esse parágrafo surpreendente, bizarro e de um humor negro inédito, Kafka abre sua obra mais famosa, A Metamorfose. É a história de um jovem que, transformado da noite para o dia em um inseto gigante, torna-se um objeto de desgraça para sua família, um forasteiro em sua própria casa, um homem essencialmente alienado. Uma meditação angustiante sobre os sentimentos humanos de inadequação, culpa e isolamento, A Metamorfose tomou seu lugar como uma das obras mais lidas e influentes da ficção do século 20. Como W. H. Auden escreveu: “Kafka é importante para nós porque sua situação é a situação do homem moderno”.

Franz Kafka (1883–1924)

Franz Kafka era basicamente um burocrata consumido pela vida urbana do final do século 19, em plena industrialização europeia. Sua paisagem mental é o da desumanização final dos trabalhadores, da impessoalidade, da instrumentalização das emoções, da opressão do cidadão pelo Estado. A sua angústia se transformou em contos e novelas obscuras e, por não ser um autor engajado em movimentos literários, sua obra tem um tom de ineditismo estilístico e temático. Seus trabalhos fundem o realismo e o fantástico. Seus personagens enfrentam situações surreais, principalmente diante dos incompreensíveis poderes institucionais. Alienação, ansiedade existencial, culpa e o absurdo cômico estão presentes em suas obras mais conhecidas e estudadas, como A metamorfose, O processo e O castelo. Antes de sua morte, o autor pediu ao seu melhor amigo, Max Brod, que queimasse todos os seus manuscritos originais, mas não foi obedecido.

Giovane Rodrigues

Giovane Rodrigues é professor de filosofia, mestre em filosofia da linguagem e doutor em ética contemporânea pela Universidade de São Paulo. É tradutor de obras do inglês, francês e alemão, tendo predileção pela filosofia e literatura desta última língua. Traduziu clássicos de Stefan Zweig, Friedrich Nietzsche e Ludwig Wittgenstein. Para o Literatura Livre, traduziu, além de Franz Kafka, a novela As roupas fazem as pessoas, de Gottfried Keller.